Trocado por miúdos: my last talk

One question that's been on my mind lately is how we think about protests, how they work: what makes a real protest, a successful protest? I took this question as the starting point for a paper that focused on the Portuguese and Spanish women's movements (linked to second-wave feminism) around 1975. In order to do this, I drew on two case studies, though I'm only going to write about one of them here.

This case study was a demonstration organised by the Portuguese women's movement on 13 January 1975 in Parque Eduardo VII that was sabotaged by the Portuguese media, leading around 2000 men to appear in the park to fight the women, hitting them, grabbing their bodies, and attempting to undress them. I was struck by the way in which most commentators of this episode describe the demonstration as an event that did not actually happen, despite the fact that the women appeared with their banners and the symbols of their oppression in the park, carrying them as they walked through the men.

So, what if I assumed for a moment that the protest did take place and that it was successful (given that it grabbed the attention of the whole country, and that it even reached other countries, such as France)? This simple assumption might help me make the most out of what seems very little. When you work on Portuguese feminism you soon realise the importance of this kind of exercise.

Once I stopped denying that the feminists were there, that they were protesting, I was ready to finally focus on their bodies in the park.

Judith Butler's "politics of the street" (2011) guided me through these women's bodies. For Butler, to appear on the street is not only to to act together, to accept other people’s perspectives of ourselves and our bodies on the street, as argued by Hannah Arendt, but it is also to appear somewhere, which means that we need to pay closer attention to the bodily dimensions of action. For this understanding to occur, it is not enough to focus on the struggle between bodies in a given space. We also need to think about bodies from another perspective: “we have to think," she writes, "about space as acting on us, even as we act within it” (Butler 2011:6).

Building on this from my unavoidable post-revolutionary Portuguese viewpoint, I recast Butler’s politics of the street in the context of the Carnation Revolution and the ensuing transition to democracy. What kind of street was produced by the Revolution's political idealism, by the "miracle" of the supposedly bloodless and peaceful Revolution? What kind of "street lyricism" supported it? And did it play a role in the denial of the feminists' non-lyrical demonstration?

Once I translated Butler’s politics of the street into the context of this lyrical space of appearance, it became clear that I wasn't writing this paper in a memory void, that I had a memory of this protest, although I hadn't been born yet when it happened. It strikes me that the revolution's street lyricism has created an idealised perception of the space of politics that is able to shape more than we think. Certainly how we remember. We need to remember better. More creatively, courageously.

O apartamento

Gosto desta casa. No outro dia, quando saí para jantar com umas amigas que já não via há muito tempo, uma delas perguntou-me se vivia sozinha. Ela já sabia que eu alugava um apartamento, mas queria confirmar que eu não estava a partilhar com ninguém. Confirmei. Então ela mostrou-me aquele lado dela que é e será sempre o completo oposto de mim, dizendo-me que nunca seria capaz de viver só. Eu disse-lhe que precisava muito da solidão, para me encontrar. Foi aí que me lembrei das nossas conversas, quando éramos as duas muito adolescentes e íamos sempre juntas para todo o lado, dos nossos planos de querermos viver sozinhas antes de nos casarmos. Não sabíamos nada do que nos esperava, mas já nos revoltávamos contra o que esperavam de nós. Revoltávamo-nos desta forma, jurando a pés juntos viver uns anos sozinhas, sem maridos nem filhos, e já empregadas, a ganhar dinheiro e independentes. Olho para esta casa e dou comigo a viver nela o meu plano adolescente. Tão longe da Sertã e do que eu era, mas perto do que eu queria ser.

Às vezes sinto que nunca parei de ser adolescente, e que o sou sempre mais e mais. Talvez porque nunca o fui como devia ter sido.

Colóquio Internacional Novas Cartas, Novas Cartografias: Reconfigurando Differenças no Mundo Globalizado

Em 1951 numa conferência em Nova Iorque um escritor de ficção científica chamado Theodore Sturgeon disse que “90% of everything is crap”: the remaining 10% of that is what we call good, and 10 percent of that – one story in a hundred – is really good. Com isto, estava a tentar dizer que a ficção científica era o único género literário que era constantemente avaliado mais pelos maus exemplos do que pelos melhores. É o que ficou conhecido como a Lei de Sturgeon. Algo de muito parecido acontece com o feminismo, que precisa de ser avaliado pelos seus melhores exemplos, e não pelos piores. 

O que me interessava fazer na conferência em Évora, onde estive nos últimos dias, não era tanto aplicar a lei de Sturgeon aos colectivos das Pussy Riot e Femen, coisa que poderia muito bem fazer, até porque há muito de "crappy" no que certas mulheres desses colectivos dizem (principalmente as Femen), mas antes pensar as consequências e as possibilidades abertas pela visibilidade excessiva do corpo feminino em luta na rua. Queria também debruçar-me sobre a questão do poder dos protestos na rua. Em Junho de 2012, eu não estava em Portugal, mas vi nascer, através da internet, o movimento social, “Que se Lixe a Troika! Queremos as nossas vidas!”, responsável pela organização de manifestações ou aparições gigantes, como a de 15 de Setembro de 2012, que levou um milhão de pessoas à rua em várias cidades portuguesas num protesto nacional contra as medidas de austeridade impostas pelo governo.  Ainda assim, como nota uma reportagem no jornal Público, “eram muitos os que, fora do protesto (de Outubro 2013), o via simplesmente passar: Manifestar-me para quê? O que é que muda?” 

Breves considerações alentejanas

A caminho de Évora, as cegonhas nos ninhos pareciam-se muito mais com avós do que com mães. E a verdura dos pinheiros mansos era consistente com a visão de cabeças penteadas pela cabeleireira da minha mãe, a Dona Dália. Pinheiros muito nineties. A viagem abria-se e trazia-me o mundo meridional, e eu entrava nele com um certo desprendimento e enlevo. Já em Évora, voltei a encontrar os dedos cravejados de anéis da Maria Teresa Horta, e vi como as suas mãos se despegavam do corpo e trotavam pela mesa do colóquio, por aí adiante até chegarem ao que era preciso recusar.

Agora estou aqui, e gosto de estar aqui, mesmo com os pinheiros, as cegonhas e os anéis trazidos. É bom regressar a casa depois de tudo isto.