Fui, antes de nascer, dez fantasias de dedos bem arquitectados num lugar longe do Treze (mãe sentindo-se habitada antes de o ventre crescer), dedos imaginados longe dizia eu, mas claramente só imaginados ainda, e por isso mesmo capazes de tactear habilmente três cheiros distintos a frango em três distintos pratos entre três garfos e três facas desunidas em uníssono no Treze. Oh Nihil, três frangos para a mesa das meninas. Empregado de mesa esticando o olho pestanudo para as pernas longas das clientes. As clientes fixando o seu corpo, o macho sentindo-se desviado. Eu vendo como elas, as clientes, desviam realidades com os olhos, enquanto comem franguinhos subversivos. Cada asa, pata, coração, fígado, fibra de peito alimenta já pensamentos que se escreverão no sofá de casas, não ali. Entre lençóis. No banho. No carro. No elevador. Em frente ao póster do homem na lua.
Ao entrar, escolho esta mesa estratégica, sento-me, olho em volta, peço um café. Não sei onde colocar as minhas dez fantasias de dedos. Observo pela margem do olho que há-de ser os papéis que passam de mão em mão por cima do frango. Parecem papéis inocentes, rabiscos tontos, mas são cartas inventadas. A mesa é um pouco pequena para todas as mãos, pratos, copos, cartas. Uma cliente dispara cara séria de improviso entre garfadas de franguinho subversivo. Ex(er)citam-se. Amor ou morte com batatas fritas, arroz e salada? Água com gás para uma, para as outras natural. A do sol no cabelo queixa-se de dor de cabeça, vigiando o empregado. Tudo tão real. Franguinhos subversivos e gente passando lá fora. Apenas um vidro entre elas e todos os frangos do mundo aguardando os almoços da semana que vem, sem saída. Seu único destino: mulher de lenço na cabeça a depená-los já degolados, e panela de água a ferver repleta de outros, esperando em vapor atrás do Treze, com criançinha tresmalhada ao fundo a olhar a velha que depena e que talvez também tenha matado. Ou simplesmente frangos congelados, descongelando no suplício dos fornos, jamais podendo vingar-se, não se lembrando de quem os matou, desfilando em bandejas decoradas a folhas de alface. Únicas testemunhas dos almoços no treze: as folhas de alface, murchas, nos cantos. Eu percebo que elas comem muito mais frangos do que lulas nesses almoços. Eu conheço os destinos dos frangos da semana que vem. As minhas mãos, prenúncio de futuro culinário em desastre irreversível, já nessa altura, antes de mim, nelas. Vigiando o futuro.
Se pedirem sobremesa, terão tido uma ideia. Se for arroz doce, a ideia não terá valido a pena. Se pedirem fruta, será banana. Se for leite creme estaladiço, eu sentirei vontade de construir uma terra e de a nomear. Ávidárida. Áridávida. Peçam leite creme, repito baixinho, antes de nascer, na mesa estratégica.
Bravissima, belo blog este. Vou ficar atento.
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